Embalagem ou cilada?
Cidadania / Por Silvia Marcuzzo

O invólucro que te seduz hoje pode ser um baita problema futuro. UTs sofrem com a falta de resíduos
Quando colocamos um produto na cestinha no supermercado, não temos a menor ideia do que significa o impacto da nossa escolha, não só no ambiente, quanto na sociedade. No Café & Prosa realizado nessa terça, dia 26 de outubro, alusivo à Semana Lixo Zero de Porto Alegre a conversa promovida pelo Instituto Venturi no YouTube, abordou vários lados do que significa essa simples atitude de um consumidor.
E um dos aspectos mais marcantes, verificados tanto no chat, quanto na conversa foi sobre a importância do consumidor se posicionar e exigir melhores condutas tanto da indústria, quanto do poder público para a solução de questões complexas. Pois o que era para ser o problema de um, no caso de quem gera o que logo será resíduo – no caso a indústria – acaba se tornando um problemão para todos. E quem paga a conta somos nós, consumidores e pagadores de impostos.
“Todos nós somos responsáveis pelo lixo e isso começa quando escolhemos o que vamos consumir e quando damos uma destinação em casa”, comenta Paula Moletta, uma das embaixadoras Lixo Zero, organizadora do evento na capital gaúcha. O assunto rende muitos desdobramentos. O encontro de hoje foi muito esclarecedor, bem dentro do espírito do evento, que visa promover a reflexão do quanto há desafios e oportunidades na gestão de resíduos.
Ana Paula Medeiros, da Unidade de Triagem da Vila Pinto, revela o quanto o processo da reciclagem vem exigindo da categoria. Hoje os integrantes das cooperativas recebem apenas no final do mês aquilo que conseguem vender. E isso tem abalado muito a renda de centenas de famílias das 16 UTs cadastradas na prefeitura (há muitas outras clandestinas).
Antônio Matos, da UT do Campo da Tuca, localizada no Morro da Cruz, conta que a sua cooperativa já teve 56 pessoas. “Hoje são 27 e trabalhamos meio turno, porque não temos resíduo”, observa, lembrando que tempos atrás chegaram a operar em três turnos e no final de semana.
Se por um lado, o pessoal das UTs está sofrendo com a falta de resíduos, por outro também padece porque capital do Estado não dispõe de recicladoras. Isso é muito ruim em vários sentidos, pois os resíduos precisam pegar a estrada para retornarem à cadeia, o que preconiza a economia circular. Isso quer dizer que para o resíduo ter valor de mercado ou ser valorizado, depende muito da localização da sua geração. Além disso, o Rio Grande do Sul é um Estado que não conta com indústrias recicladoras para vários tipos de material.
O vidro, por exemplo, é um material que pode ser 100% reciclado, incontáveis vezes, no entanto, muito pouco é reciclado em Porto Alegre. “Recebemos R$ 0,05 por quilo de vidro,” informa a administradora, que segue a trilha aberta pela mãe, Marli Medeiros. Vale lembrar que segundo a Lei Nacional de Resíduos Sólidos, pelo menos 22% das embalagens precisam ser recicladas, inclusive empresas como a Arco, já vem prestando esse serviço para grandes indústrias.
Esse problema do vidro, confesso, me abala bastante. Frequentemente, ouço o barulho de cacos sendo despejados em caminhões de lixo. Moro perto de uma região com muitos bares e restaurantes e esse tipo de resíduo é colocado em containeres. Os catadores não se interessam porque para eles não vale a pena, devido ao peso e ao baixo valor pago. Resultado: nós, contribuintes pagamos o transporte desse vidro até a central de Minas do Leão. E esse é um dos motivos que faz o gasto com resíduos em Porto Alegre, ser o terceiro que mais consome recursos públicos!
A representante do Lixo Zero completa:
“Hoje é mais barato retirar a areia da natureza do que reciclar o vidro, o custo não poderia ser maior que a matéria-prima nova”. Isso porque os impactos do que é conhecido por “externalidades”, não é considerado nessa cadeia.
Explico. Já parou para pensar: qual é o impacto para os rios, para os peixes, para o ambiente onde essa areia, considerada apenas como insumo, foi retirada? E quanto combustível a draga que a sugou consumiu e ainda largou de fumaça no ar? E qual a pegada de carbono do transporte e do beneficiamento dessa areia? São perguntas que deverão ser feitas, especialmente se tivermos responsabilidade com relação às emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs). Ainda mais com tantos alertas sobre a crise climática!
Arlinda Matos, do Instituto Venturi, reforça a necessidade de se ter leis, acordos setoriais e um mercado regulatório envolvendo distintos segmentos. “No Brasil, há uma cultura de não se ver oportunidades,” opina, salientando a falta de incubadoras de reciclagem. Ela reforça a importância do papel dos catadores: “a indústria não acontece sem catadores, são eles que garantem o elo da cadeia da reciclagem”. E questiona: “Por que a empresa que vende o vinho não recebe a garrafa de volta?” Ela defende que sejam criadas empresas que façam o serviço de recolhimento e higienização dos vasilhames.
Mas a filha de Marli Medeiros deixou claro: “o vidro não é o vilão da história”. Para ela, o maior problema são os diversos plásticos que não podem ser reciclados. Identificados pelo número 7, um código que define categorias de polímeros.
Mas a filha de Marli Medeiros deixou claro: “o vidro não é o vilão da história”. Para ela, o maior problema são os diversos plásticos que não podem ser reciclados. Identificados pelo número 7, um código que define categorias de polímeros.
“Plásticos com barulho e cor, é problema para o catador”, define Ana Paula Medeiros. Quanto mais colorido e barulhento, mais difícil de conseguir reciclar.
Atenção para as dicas, anota aí, o que as UTs não conseguem encaminhar para a reciclagem em Porto Alegre:
PET colorido, como de garrafas vermelhas, douradas ou azul escuro.
Acrílico, PEAD leitoso, código 2, também não dá.
Espelho, vidros planos como de automóveis, cerâmicas, porcelanas, como xícaras e pratos.
Isopor de embalagens de carne, especialmente aquelas que tem um absorvente no fundo.
Quando for comprar um produto, observe se há um número na embalagem, se for código 7, também não dá para reciclar.
Aparelho de barbear, cartela de remédios usadas, pois a mistura de diferentes substâncias impede o seu processamento.
Restos de madeira, móveis.
Núbia Vargas, responsável pela UT Sepé Tiarajú, vai além:
“O problema é o design das embalagens, as pessoas compram pelo visual e acham que sua responsabilidade terminou ao colocar no lixo o que não quer mais”.
Núbia acredita que atitudes assim são reflexo de uma cultura que não considera a coletividade. Um problema citado pelas catadoras – quase a totalidade de quem trabalha na reciclagem é do gênero feminino, muitas chefes de família – é a mistura de materiais. Há sacos de pão, por exemplo, que uma parte é de plástico.
Porém apesar da diminuição do volume de material, as catadores ressaltam que a pandemia interferiu, de certa forma, positivamente o mercado da reciclagem. Materiais que antes não conseguiam comercializar, como isopor, sacolinhas de supermercado, e até resíduo têxtil, hoje têm vendido. A ausência de matéria-prima obrigou as indústrias a reciclarem. Mas, atenção, mas: tem unidades que conseguem vender outras não. E tudo depende do município, em São Paulo, se consegue reciclar muito mais porque há muitas recicladoras. Portanto, em casa, continue sempre separando, enviando para a coleta seletiva aquilo que é “lixo seco”.
“Uma pessoa muda depois de conhecer uma UT!”, declara Ana Paula. E eu assino embaixo. Depois que visitei algumas unidades, minha percepção aumentou ainda mais para todos os tipos de resíduos que geramos todos os dias. Arlinda, do Instituto Venturi, acredita que a educação ambiental formal, aquela que é oferecida nas escolas, deveria incluir no ensino conteúdos como esse, do mundo dos resíduos. Concordo com ela. Mas antes de qualquer coisa, a própria escola precisa fazer o dever de casa. E aí eu pergunto: quantas escolas separam seus resíduos? Mas isso é conversa para outro dia.
Confira https://www.youtube.com/watch?v=vfWYq8dpCDA&ab_channel=InstitutoVenturi